domingo, 10 de agosto de 2014

Carta a Meu Pai

Em 20 de fevereiro de 2010 perdi meu pai, depois de um ano de sofrimentos manifestados das mais diferentes formas, mas todos de uma única natureza: o fim da vida.

Como homenagem póstuma quis que ele tivesse uma missa rezada só para ele, em uma capela, por um padre que tivesse algum significado especial na história da família e onde os amigos pudessem ficar bem perto de nós.

A chamada Missa de Sétimo Dia foi realizada quinze dias depois do falecimento e, após as orações da comunhão, pedi a meu marido que lesse uma carta que eu havia escrito como um último adeus a meu pai. E assim era ela:

Querido pai,

Quando as pessoas mais amadas se ausentam deste mundo, os que ficam sempre têm a sensação de que faltou algo a dizer, de que o ser que partiu podia ter ficado mais um pouco, como se esse a mais pudesse tirar do nosso coração a dor da sua ausência. Não existe tal coisa, o espaço que você ocupou em nossas vidas será sempre seu e este é um momento de luto. Um luto que com o tempo se transformará em alegres e doces lembranças e que, desde já, nos leva a olhar mais profundamente para sua vida e a percebê-la como uma inspiração.

Sua vinda para este mundo sempre foi marcada por situações muito sofridas: os pais que se separaram antes mesmo do seu nascimento, a vida no orfanato, a guerra que feriu seu coração para sempre, a separação da família com a vinda para o Brasil, uma saudade incurável da mãe, dos parentes e amigos deixados na Itália, o câncer, alguns projetos falidos e a sua própria morte.

Existe um dizer taoísta que afirma: se há sofrimento é porque algo está errado. Certamente seu olhar para a vida poderia ter sido outro, mas não foi. E o que fica para nós é perceber em toda essa dor uma vontade invejável de superação das dificuldades, uma vontade que conquistou uma vida longa e próspera, cheia de amor, apesar de tantas dores.

Como sua família só temos a agradecer. A cultura italiana deu um colorido especial à nossa visão de mundo. Aprendemos a querer seu país de origem como nossa segunda pátria, a perceber seus cheiros e sabores em cada detalhe. Agradecemos também porque a vida se cumpriu na sua melhor forma e, até a lentidão da sua morte, hoje parece-nos ter sido necessária para que nós pudéssemos aceitá-la com mais naturalidade e como um alívio que se fazia urgente ao seu sofrimento físico.

Suas cinzas já estão conosco e serão levadas para sua terra mãe assim que os bons ventos nos permitirem. Por enquanto, elas permanecerão junto de nós como dizendo: - Eu ainda estou aqui, fiquem tranqüilos!

O Gabriel, única criança da família, nos faz olhar para tudo isso com um sorriso nos lábios. As cinzas do nonno são carregadas por ele com o carinho que os uniu desde o princípio e o encantamento de quem vê tudo pela primeira vez. Os trava-línguas em italiano, uma preciosidade aprendida com você e repetidos com a agilidade peculiar da infância, alimentam e alimentarão deliciosamente o imaginário do pequeno Gab. As histórias contadas e recontadas tantas vezes nos trarão sua presença em muitas tardes de domingo e então perceberemos que não as ouvimos tão atentamente como deveríamos porque alguns trechos não saberemos repetir.

O Leonardo, já moço, agora percebe mais a dor da ausência, mas também está atento a coisas que trazem para o seu coração boas lembranças do vovô.

E assim é que deve ser com todos, sua ausência física trazer para nós o melhor de você, o melhor da vida. Que a forma enrijecida como nós adultos encaramos a existência não nos deixe perder suas delicadezas para, assim, estarmos mais perto da iluminação.

Com carinho e gratidão, que você esteja em paz, repleto de luz.

Sua filha