Nebraska é um
filme para netos, filhos, pais, avós... Fala sobre o querer do idoso e sua
impossibilidade física de realizar livremente. Fala de filhos que deixam de
lado suas vidas pessoais para atender a essa dependência do pensar e do agir de
seus pais. Fala de cônjuges já sem censura e sem paciência para suportarem as
repetições da vida. Fala da graça disso tudo se não nos levarmos tão a sério o
tempo todo! Vale a pena assistir.
domingo, 30 de março de 2014
domingo, 16 de março de 2014
A Decadência do Querer
Estava
sentada no banco azul da Linha Verde do Metrô. O banco azul é o assento
especial para idosos, gestantes, deficientes físicos, adultos com criança de
colo. Quando sentei fiquei atenta se não havia perto de mim nenhum usuário
especial, assim poderia continuar lendo meu livro pesado e desconfortável. Logo
na estação seguinte um senhor idoso se aproximou de onde eu estava. Então,
discretamente me levantei e me coloquei de lado, tentando segurar meu livro
aberto de algum jeito. Imediatamente o senhor pegou no meu punho com sua mão e
me conduziu com delicadeza ao banco azul novamente. Nossos olhares se cruzaram
e sorrimos um para o outro numa cumplicidade onde ele me dizia: Conhecemos as leis, mas não estou tão velho
assim, vou ficar bem mesmo em pé, ainda quero e posso exercitar minha
gentileza. E eu lhe respondia: Sou-lhe
profundamente grata por sua gentileza e delicadeza. Hoje percebo também que
o admirei naquele instante por seu exercício de vontade, de não entregar-se por
qualquer motivo à sedução do conforto.
Existem
idosos que Querem até o último momento de suas vidas e não se entregam à dor,
ao cansaço, à ausência de futuro, à decadência do corpo e da vontade, aos
confortos excessivos da vida moderna. Nesse comportamento negam-se a esticar a
vida a qualquer preço. De alguma forma possuem um saber interno que os mantém
conectados com o presente. É como se possuíssem uma Sabedoria cultivada pacientemente
ao longo da vida, desde muito jovens, que os preparou para aceitar a
impermanência da existência sem que ela os consuma.
Também
existem idosos que, mesmo sabendo que a morte é parte da vida, querem ganhar de
qualquer maneira um bônus extra para ficar mais tempo neste mundo. Sofrem muito
com o medo da morte e com todas as complicações que acometem o corpo físico,
mas neles não existe mais Querer além do estar vivo e a decadência é cruel. Precisam
de uma, duas, três ou mais pessoas que sejam suas pernas, seus braços e mãos,
suas mentes, seus olhos, seus ouvidos, seus dentes, o ar que respiram. Sempre
estou a me perguntar qual o sentido de viver assim, muitas vezes por um longo período,
sem poder Ser com suas próprias ferramentas, em um sofrimento permanente.
Na
Natureza os animais não chegam a esse ponto. No nosso mundo a medicina moderna
garante o bônus, mas não garante a qualidade de vida. Houve um momento em que tive
que escolher entre um médico que queria o marcapasso e outro que nem cogitou sobre essa
hipótese. Escolhi pelo controlador de batimentos cardíacos e nesse momento
percebi que havia tirado a possibilidade de minha mãe morrer dormindo. Hoje,
vendo-a lúcida, mas com síndrome do pânico, sem poder tomar antidepressivos, reclamando
de dores diariamente, totalmente dependente de pessoas para se manter viva,
olhando para o horizonte sentada na poltrona, esperando a morte chegar, percebo
a Sabedoria da Natureza e o nosso apego em permanecer neste mundo e em querer
que o outro fique, fique, fique...
Vivemos
com pavor de soltar, com pavor do próprio viver, já que aprender a viver é
aprender a soltar. Sogyal Rimpoche
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