domingo, 18 de maio de 2014

Sob o Céu que nos Protege


Tenho observado a pretensa evolução do pensamento humano sob a ótica do conforto e da segurança na ilusão de estar caminhando rumo a uma felicidade cada vez maior. Supostamente esses dois elementos nos dariam a sensação de termos o controle sobre a vida: estou seguro portanto nada nem ninguém pode me atingir e tenho conforto, o que evita eu me desgastar fisicamente, promovendo uma vida longa. Porém, se existem mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia (William Shakespeare), o que nos leva a acreditar que esse controle seria possível?

Como uma criança de três anos entro em uma sequência infinita de porquês e aprofundo até encontrar uma única justificativa, a justificativa da sobrevivência: temos um medo selvagem de que um leão faça de nós o seu jantar! Ou de que um tubarão coma apenas uma parte do nosso corpo nos fazendo dependentes até o fim de nossas vidas. É a luta instintiva pela sobrevivência do corpo, ampliada para a sobrevivência da alma e do ego, já que nosso pensamento ficou tão elaborado.

Para adiar a morte física, anímica e do ego, tratamos de garantir a segurança e o conforto acarpetando nossas cavernas, dividindo-as em espaços de funções variadas, fechando-as como cofres e cavando-as com buracos nas pedras para a luz do sol entrar. Juntamo-nos em sociedade porque em bandos podemos derrotar mais facilmente o leão, porque assim é mais fácil viver, mesmo muitas vezes nos sentindo oprimidos pelos limites castradores da cultura.

Criamos mecanismos psicológicos de crenças que normalmente nos fazem acreditar que a vida é lógica: “Andar descalço dá resfriado!”, mesmo que isso não seja verdade, é o que repetimos até se tornar uma. Esse mecanismo de crenças também nos ajuda a explicar o inexplicável: Deus. Para nos sentirmos realizados, cumpridores do nosso dever, desenvolvemos mecanismos de projeção, onde o outro é sempre o obstáculo da vida que me impediu de realizar o que eu queria. Se não fiz, foi por sua causa! Você que não me deixou!

Mas chega no fim da vida, no momento do último balanço, nada tem muito mais importância. Quando o freio não existe mais, começamos a colocar nossas frustrações e mágoas para fora. As projeções são despejadas nua e cruamente e pessoas que tanto se gostavam a ponto de conviverem juntas uma grande parte da vida, passam a brigar como nunca. As crenças podem se reduzir a pedidos desesperados de socorro a Deus e a uma sensação de abandono.

Nossos complexos de imperadores egípcios afloram: queremos que as coisas sejam feitas na hora que solicitamos e do nosso jeito. Banho? Só quando Eu quiser! E Eu não quero nem hoje nem amanhã!

Queremos que todos venham nos atender, porque fizemos tanto por eles a vida toda e agora é a vez deles de “devolverem todo esse sacrifício”. As mães são especialistas nisso, porque normalmente se esqueceram de si para criar os filhos e, de alguma forma, para servir o marido. Ainda que a mulher tenha cantado cada vez mais sobre seus ossos e esteja recuperando sua natureza divinamente selvagem, esse processo é muito lento.

A morte é um momento solitário, ninguém deve querer viver isso pelo outro. Acolher sim, ajudar física e espiritualmente sim, mas tomar para si, não. Vejo minha mãe chegando ao fim de sua vida e fazendo esse balanço de forma tão sofrida. Então penso que podemos nos preparar mais cedo para isso. A pergunta inevitável é “Como?”. Os caminhos são muitos e pessoais, mas um caminho que me vem claro como um rio de águas limpas é que se observarmos melhor todos os momentos da vida onde morremos e renascemos vamos entender a naturalidade desse processo, seu ritmo e o que contribui para morrermos e o que nos faz renascer. Nesse mecanismo de auto-conhecimento vamos aos poucos descobrindo quem somos de fato, o que estamos fazendo conosco à medida que fazemos nossas escolhas, podendo, assim, escolher melhor e recuperar o fluxo criador, passando a nos expressar mais verdadeira e alegremente, construindo uma Cultura de Paz.

“...procurar a jugular, chegar direto ao miolo e aos ossos de tudo que existe na sua vida, porque é ali que está o seu prazer, é ali que está a sua alegria, é ali que está o Éden(...), aquele local onde há tempo e liberdade de ser, de perambular, de se maravilhar, de escrever, cantar e criar sem medo.” Clarissa Pinkola Estés

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