domingo, 28 de setembro de 2014

Hibernação


O Blog da Bengala tem hibernado! Talvez seja influência do inverno, embora o frio não tenha vindo com a intensidade natural. Pode, ainda, ser um cansaço, uma monotonia, uma sensação de estagnação. Não temos descido ou subido degraus na vida dos nossos idosos, parece estarmos andando na monotonia do plano.

Olhando um pouco mais atentamente para isso percebo que é uma monotonia necessária. Necessária para ganhar forças para continuar, assim que chegar o que está por vir. Parece ser a hora do descanso, da espera da chegada da alma ao corpo, já que ela havia ficado muito atrás.

Cuidar de um idoso bastante dependente não é o que eu chamaria de algo instigante num primeiro momento, afinal a maior parte das ações são repetidas cotidianamente, algumas, como trocar as fraldas, ministrar os remédios, dar água, colocar bolsa de água quente, escovar a dentadura... acontecem várias vezes ao dia. Faz-se o mesmo por semanas, meses, em alguns casos anos, mas emocionalmente isso parece ser infinitas vezes melhor do que ter que ir ao Pronto Socorro e suportar os dissabores de uma internação!

Muitas vezes sinto-me o protagonista do filme Feitiço do Tempo (Groundhog´s Day): procuro melhorar a cada dia que parece se repetir infinitamente, mas há vezes que me sinto presa, irritada, cansada, injustiçada nessa repetição e, como não posso desaparecer, estou presa no tempo e espaço, então não contribuo com meu melhor.

Fico pensando em pessoas que passaram pela minha vida, em geral mulheres, que tomavam conta sozinhas de parentes doentes acamados. Como ficou e fica a vida pessoal dessas pessoas: sua expressão, sua criatividade, os cuidados com sua própria saúde, sua feminilidade, sua sexualidade? O cansaço emocional é arrasador, o tempo para fazer os exames para controle da saúde é grande, em geral essas pessoas se abandonam, esquecem-se de si mesmas. Onde encontrar tempo para a expressão do feminino e do masculino se a situação é tão limitadora?

Para o idoso parece não ser diferente. Quando ele ainda tem lucidez, a limitação física somada à falta de vontade de fazer qualquer coisa faz a noção de tempo ficar completamente alterada. Se a isso somarmos um estado depressivo, o tempo não passa, o idoso fica nervoso, irritado, as dores incomodam mais do que o normal, a inquietação faz com que ele chame as pessoas para ficarem à sua volta o tempo todo e qualquer cisco fora de lugar é um assunto de suma importância para ser resolvido imediatamente, qualquer acontecimento banal ganha status de terceira guerra mundial.

Os cuidadores contratados, ainda que habituados à situação, muitas vezes não são cuidadores por vocação e a repetição cotidiana somada ao agravamento lento e natural do estado de saúde do idoso começam a ruir a vontade de estar no emprego. O coordenador da equipe precisa manter a chama acesa que, a meu ver, só é possível pela gratidão da presença e da dedicação, ainda que muitas vezes estejam aquém do esperado.

Não tenho dúvida que essa situação trata-se de um treinamento militar de paciência, para todos!

Por outro lado, sabemos que um dia não é igual ao outro, porque nunca é. Nunca somos os mesmos que éramos há poucos segundo atrás. Isso também podemos ver no Feitiço do Tempo. Para o idoso ora a saúde melhora, ora a saúde piora, de modo geral as dificuldades aumentam; depender totalmente do outro é desaparecer em vida como indivíduo.

Para os familiares que convivem com o idoso existe sempre um desafio na manutenção da qualidade de vida do doente. Em que médico levar, qual especialidade será mais adequada, como consertar os prejuízos de uma escolha médica errada, como resolver de forma simples diversas limitações que surgem diariamente. Sejam quais forem as escolhas, precisamos saber esperar pelos seus frutos.

Para o cuidador um dia de mais calma é um dia de retomada de energia, de descanso. A atenção deve ser constante e, como acontece com as crianças, um segundo, apenas um segundo é o bastante para tudo virar de ponta cabeça.


(...) Morre lentamente quem se transforma em escravo do hábito, repetindo todos os dias os mesmos trajetos, quem não muda de marca, não se arrisca a vestir uma nova cor ou não conversa com quem não conhece. 
(...) Morre lentamente quem evita uma paixão, quem prefere o negro sobre o branco e os pontos sobre os “is” em detrimento de um redemoinho de emoções, justamente as que resgatam o brilho dos olhos, sorrisos dos bocejos, corações aos tropeços e sentimentos.
(...) Morre lentamente, quem passa os dias queixando-se da sua má sorte ou da chuva incessante.
(...) Evitemos a morte em doses suaves, recordando sempre que estar vivo exige um esforço muito maior que o simples fato de respirar. Somente a perseverança fará com que conquistemos um estágio esplêndido de felicidade. A Morte Devagar, de Martha Medeiros

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