domingo, 28 de dezembro de 2014

O Fim das Coisas

O ano está terminando, como chegam ao fim todas as coisas. Daquelas que nos trazem sofrimento nos aproximamos do fim com alívio, daquelas que nos trazem bem-estar desde o início queremos prolongar o tempo ao infinito, daquelas que nos trazem dor e delícia ora queremos o fim ora a permanência. Neste último caso, sem saber o que escolher, porque não há opção de escolha, muitas vezes acabamos apressando o rio sem imaginar verdadeiramente o que nos espera quando chegarmos à foz.

Este ano três amigas muito queridas perderam suas mães: duas delas já bem idosas e dependentes plenas, a outra ainda com vida para cultivar. Seja lá qual for a idade e o grau de sofrimento do idoso, passar pela perda definitiva da mãe é enfrentar um fim para o qual nunca estamos plenamente preparados.

Ainda que aos 90 anos, com pouca ou nenhuma lucidez e total dependência de cuidados, não possamos ser vistos como pilares de uma família, o papel de “mãe” contém em si tanto significado que dificulta a separação. Da vida uterina, à nutrição, ao embalo, à admiração pelo filho, à proteção da vida, à prontidão, à reflexão, ao aconchego, ao feminino, ao amor incondicional pode existir uma longa vida que sofre ao perder simbolicamente tudo isso, mesmo que outras pessoas próximas supram, em parte, esse arcabouço de maternidade, mesmo que boa parte dele já tenha sido separado de nós quando lá atrás percebemos que tínhamos que aprender a caminhar com nossas próprias pernas. No momento em que a morte chega para essa mulher, nossa mãe, mesmo a família sabendo que o melhor é o fim por todo sofrimento contido na decadência física do ser, sabe-se que junto com ele irá embora a força dessa figura que é única. E aí dói.

Quando a morte parece chegar antes da hora é ainda mais difícil de compreender porque não existe, pelo menos de imediato, a sensação de alívio pelo sofrimento. Existe o sentimento de que a mãe podia ter ficado mais um pouco, que a cura ainda era uma possibilidade.

Estamos chegando ao fim de 2014. Mudar de ano na nossa cultura significa um recomeço. Do que foi agendado e não foi cumprido vamos esquecer o que não faz mais sentido e deixar para 2015 o que ainda precisa ser realizado. Essa passagem nos remete ao fato de que ao fim das coisas corresponde o início de outras coisas, que o presente momento é o renascimento decorrente da morte do momento anterior e que se não nos diz respeito saber quando a vida física vai acabar, as perdas e renascimentos cotidianos deveriam nos treinar e nos tornar mais sábios para aceitar a impermanência da vida.

Sei que minhas três amigas estão bastante conscientes desta passagem de filhas para órfãs, do conteúdo que se encerrou, mas as três, cada uma à sua maneira, já renasceram para uma nova história.

Os homens vão, vêm, trotam e dançam, e nem um pio sobre a morte. Tudo parece bem com eles. Mas aí quando ela lhes chega e às suas mulheres, filhos e amigos, pegando-os de surpresa e despreparados, que tormentas de paixão os esmagam, que gritos, que fúria, que desespero!... Para começar a tirar da morte seu grande trunfo sobre nós, adotemos o caminho contrário ao usual; vamos privar a morte de sua estranheza, vamos frequentá-la, acostumarmo-nos a ela; não tenhamos nada senão ela em mente... Não sabemos onde a morte nos espera: então vamos por ela esperar em toda parte. Praticar a morte é praticar a liberdade. Um homem que aprendeu como morrer desaprendeu a ser escravo. Michel de Montaigne

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