Quando pensamos em Deus sempre olhamos
para o alto. Ali sempre esteve o Monte Olimpo, Jeová, Alá, Olorum... Afinal, desde
os primórdios da humanidade, muito do que desconhecíamos e temíamos vinha do
alto e para lá voltávamos nossa atenção reverenciando e pedindo proteção às
forças da criação do Universo. E na construção do arquétipo de Deus nosso ego descobriu
mais um caminho para impor sua sobrevivência.
Janeiro de 2015 foi um mês marcado por
atentados terroristas em nome de Deus. Desta vez foram muçulmanos radicais, mas
ao longo da história da humanidade as perseguições religiosas partiram de
diferentes crenças e não é incomum o ataque mais pesado vir do grupo mais
numeroso por este sentir-se ameaçado pelas minorias que se expressam de outra
maneira, um jeito diferente do seu.
Fico imaginando em que momento da nossa
história surgiu a primeira violência religiosa. Estou certa de que os índios
guerreavam por muitos motivos, mas não por quererem impor seu Deus uns aos
outros, na medida em que se preocupavam mais com as manifestações naturais desse
Ente Supremo e elas eram as mesmas para todos.
Em si, a idéia de um criador do Universo,
um pai protetor e orientador de caminhos, transformador e estabilizador de
emoções, que retribui em dádivas nossa gratidão, não tem nada de errado, ao
contrário, isso pode nos trazer muito equilíbrio anímico. No entanto, nós, na
nossa manifestação egóica, não conseguimos apenas vivenciar a divindade que
pertence a todos, precisamos adorná-la, paramentá-la com nossas ideias para
torná-la pessoal e única e em nossa adoração narcísica saber que esta sim,
criada ou seguida por mim, é a verdadeira e, portanto, a Correta!
Na disputa para conseguir a salvação no dia
do Juízo Final, para garantir nosso assento ao lado direito de Deus-Pai, passamos
milênios nos degladiando. Para quê? Para defender uma idéia? Para defender
deuses que são onipotentes e que, portanto, não precisam da nossa proteção?
Guerrear em nome do amor? E somos nós a espécie mais inteligente do Planeta?
Uau! Que medo grande ainda temos do desconhecido e da morte!
Das três cuidadoras que administro para
cuidados com minha mãe, uma é católica e duas são evangélicas pentecostais. Como
freio que é, percebo que a religião neste caso é importante, pois são pessoas
desconhecidas que vieram trabalhar dentro de nossa casa e passaram a participar
de nossa intimidade. Cotidianamente noto que essa crença limita fofocas,
mentiras e ajuda essas pessoas a serem pessoas com alguma compaixão pelo
próximo.
Ainda assim, uma das cuidadoras, não
tendo a paciência necessária com os infindáveis queixumes de minha mãe quanto à
sua saúde muito fragilizada, por todas as dores e desconfortos que sente, por
duas vezes obrigou esta senhora de 89 anos, católica, a jurar sobre a bíblia
que ela sentia tudo o que dizia sentir, que era verdadeiro todo o seu lamento,
pois, supostamente, ninguém mente em nome de Deus. Minha mãe, com síndrome do
pânico, apavorada, se recusou e implorava para não a deixarmos mais sozinha sob
os cuidados da pregadora.
Essa cuidadora ainda está conosco e,
depois de uma discussão com sua irmã pelo ocorrido, melhorou seu comportamento,
embora ainda carregue consigo uma ironia cortante, uma desconfiança de tudo e
de todos e sua fé como norteadora do único caminho a ser seguido. Tenta convencer
minha mãe a não procurar os médicos que julga precisar e a chama para aumentar
sua fé no intuito de encontrar a verdadeira cura física, como se a velhice e a
morte não fosse o destino de todos nós, homens de fé ou não.
Pela nossa convivência não tenho dúvidas
de que essa moça, se fosse uma terrorista religiosa, teria coragem de matar em
nome de Deus, mas cada um de nós tem suas idiossincrasias e, com poder nas
mãos, muitas vezes não sabemos até onde chegaríamos. Por isso, na maioria dos
casos não nos cabem julgamentos, mas compreensão.
Ao percebermos a dureza de sua vida e,
portanto, do seu caráter, percebemos também o medo de base que a guia.
Acreditar que suas escolhas são as únicas a serem feitas e que se todos nós fizéssemos
como ela o mundo seria muito melhor faz, por outro lado, que seja uma mulher
determinada, trabalhadeira, com garra, que procura ajudar a todos, inclusive
minha mãe, com suas orações, seus paninhos e óleos bentos, com sua vontade em
não deixar o doente se entregar ao cansaço da vida, em dizer para esse doente
que ele pode sim fazer o que diz não conseguir. De um lado a dor e do outro o
amor. Só a mandaria embora se a dor pesasse claramente mais do que o amor.
Embora toda barbárie seja injustificável
e todo extremismo mostre a inferioridade de nossa espécie, um dos fundamentos
da vida humana é o medo da morte e nosso instinto de sobrevivência, hoje já tão
ornamentado nos faz crer que foi domesticado, mas como um animal doméstico ele pode
nos surpreender com sua raiz mais selvagem.
Não há o que passa, não há quem passa, só há passagem. E a tristeza nos
ajuda a vivenciar o luto, a deixar morrer pra poder renascer. O problema é que
todo mundo quer renascer, mas ninguém quer morrer. É preciso, portanto, ser
capaz de chorar. A menor distância entre duas pessoas é o riso e a lágrima. E é
preciso ser capaz tanto de celebrar a existência com a alegria de viver, de
dançar a vida, mas também, o que nos torna também humanos, é ser capaz de
chorar. (...) Nós não nascemos humanos, nós nos tornamos humanos. Roberto
Crema
Silvia, não querendo botar lenha na fogueira, quem lhe garante que esta cuidadora não vai fazer sua mãe tomar as pílulas ungidas pelo pregador X, ao invés das prescritas pelo médico? Se a doença é real, melhor não ministrar a cura imaginária.
ResponderExcluirPassando para desejar um Feliz 2018!
ResponderExcluirAdh2bs