domingo, 8 de junho de 2014

Atenção! Perigo! Cuidadores!


Quando procuramos o significado da palavra cuidar no dicionário, encontramos muitos significados, entre eles: ação de tratar de algo ou alguém; zelar ou tomar conta de algo ou alguém; preocupar-se com ou assumir a responsabilidade de; dar atenção a; reparar ou notar. Conclui-se, portanto, que cuidador é aquele que nota o outro, zela por ele, toma conta dele, se preocupa em assumir para si a responsabilidade sobre o outro.

Na tentativa de manter a sanidade dos “sobreviventes”, resolvemos terceirizar as duas vovós. A primeira a ser terceirizada inicialmente ficou em sua casa com cuidadoras 24hs por dia e seu marido, dez anos mais velho, completamente auto-suficiente e capaz de coordenar os afazeres diários das contratadas. A cuidadora do dia ficava também com a limpeza da casa, já que o vovô fazia o almoço, ajudava com as roupas e com os cuidados da vovó. A cuidadora da noite ficava só com a idosa e poderia contar com ajuda em caso de necessidade.

Entretanto, somando roubo de dinheiro de uma cuidadora, de alimentos de outra, faltas sem aviso prévio, licenças médicas, férias, falta de grana e tantas outras particularidades, nosso Superman muitas vezes sentia-se só e sobrecarregado. Começou, então, a perder a saúde rapidamente. Considerando que não podíamos estar presentes em seu dia a dia e a vovó já não tinha mais lucidez, não havia, portanto, melhor solução do que colocá-la em uma casa de repouso.

Tínhamos restabelecido a vida para o vovô, mas não sem ter que enfrentar diariamente o ataque de vilões que tentavam enfraquecê-lo. Não tínhamos mais problemas com faltas, férias, licenças médicas, roubos, mas passamos a ter outros problemas como subnutrição, quantidade errada de medicamento, fratura por descuido, sumiço de roupas, consumo exagerado de produtos de uso pessoal.

A segunda vovó a ficar doente e totalmente dependente está lúcida, sempre morou com sua irmã dois anos mais nova, por isso optamos por mantê-la em casa, com cuidadora 24hs por dia, em sistema de revezamento: trabalham 48hs e descansam 48hs.

Existem idosos que não dão quase trabalho para cuidar, dormem à noite, quase não solicitam durante o dia, estão mais em harmonia com a finitude do corpo. São o “sonho de consumo” das cuidadoras! Mas este não é o caso da segunda vovó. Ela solicita o dia todo, raras são as noites inteiras que dorme e é um verdadeiro compêndio médico! Fechar uma equipe de cuidadoras razoavelmente comprometida com essa situação não foi fácil, mas conseguimos, embora seja um contexto de bastante vulnerabilidade. Temos problemas com ausências, com compromissos comunicados em cima da hora, com dificuldades familiares muito sérias - consumo de drogas, convivência com bandidos. Temos, ainda, problemas com o padrão de higiene muito inferior, situação bastante delicada para doentes com infecções crônicas; problemas com troca de remédios, muito observada pela vovó que, felizmente, fica de olho em tudo; problemas com a ventilação e arrumação da casa, dos armários e guarda-roupas; com a troca de roupas do dia a dia; com os alimentos... Por isso o controle geral da casa ficou com a irmã ainda muito saudável, embora já cansada, e o almoço ficou por minha conta, assim eu poderia garantir minimamente a higiene e o valor nutritivo do almoço. As demais refeições entreguei nas mãos de Deus, como diz o povo, porque quando o gato sai, os ratos fazem a festa! Aos poucos percebi que por mais que fizesse, não teria o controle de tudo e o que quer que acontecesse seria sempre o melhor possível dentro de uma determinada conjuntura!

Mas os perigos oferecidos pelos cuidadores não acabam por aqui. Longe de estarem de acordo com a definição do dicionário, muitas vezes o cuidador viu nessa profissão um meio de ganhar mais do que uma empregada doméstica de serviços gerais e aí começa um grande equívoco. As cuidadoras acham que não terão mais que fazer faxina e as faxineiras acham que cuidar de um idoso é um serviço mais leve! Hahaha! Doce ilusão! Em primeiro lugar, ainda que o cuidador não faça a faxina, casa de idoso também suja e tem que ser mantida minimamente limpa. Quem pode manter um empregado especializado em cada serviço da casa é cerca de 5% da população!!! E o restante, como faz?

Em segundo lugar, idoso há muito tempo deixou de ser bebê: pode ser pesado, teimoso, sentir frio, já ter perdido grande parte da vontade; pode usar fralda, não enxergar, ser surdo, muitas vezes não entender o que deve fazer, ser depressivo... Ai! Cansei! Prefiro fazer faxina! Cuidar, antes de tudo, é um ato de responsabilidade e de generosidade. Se o foco for o salário e não a vocação, não dará certo.

Algumas clínicas trabalham com empregados sem registro e mal pagos, portanto com grande rotatividade de pessoal, acarretando a repetição permanente dos mesmos erros. Os cuidadores domésticos, muitas vezes bem indicados, chegam até a casos de envenenamento de idosos para roubo de seus pertences. Raros são os casos de empregados que se comprometem de fato com o idoso a ponto de tratá-lo como se fosse seu próprio pai ou mãe. Entre um extremo e outro existe o cuidador que será contratado por você. Para este cuidador as estatísticas não valem, ele será o que você e seus familiares conseguirem construir junto com ele. Temos uma das cuidadoras que foi indicada por uma amiga que a despediu. Seu jeito veio a calhar com o que precisávamos em casa, enquanto não deu certo na casa dessa amiga!

Nos tornamos únicos em nossas particularidades e assim é com os cuidadores. Como todos nós, eles também estão em maior ou menor equilíbrio. O ideal sabemos qual é, mas como o que temos é o possível, o importante é conseguir desenvolver junto ao cuidador uma relação de amizade, de troca, de reconhecimento, de respeito, de afeto, mas principalmente de gratidão, por cada segundo de sua presença em nosso auxílio, porque é impossível viver em paz sem ele neste agora tão doloroso.

Aos que a felicidade
É sol, virá a noite.
Mas ao que nada espera
Tudo que vem é grato.
Ricardo Reis em “Odes”

3 comentários:

  1. A pior parte dos cuidadores é no terceiro tempo, aquele no qual você os reencontra numa sala de TRT...

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  2. Nesse quesito tivemos sorte com minha avó. A maioria das cuidadoras que passaram em casa eram comprometidas, se afeiçoaram a ela e se aplicavam realmente nos cuidados. Mas alguns dos problemas relatados ocorreram, principalmente em termos de higiene e organização; apesar que foram receptivas às críticas e aos reptos.

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  3. Já tivemos a alguns anos atras, de lidar com cuidadores, na época que quase não se ouvia falar deles. Felizmente encontramos alguns que supriram algumas necessidade. Nota tínhamos bastante apoio familiar também.

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