domingo, 1 de junho de 2014

Está Decidido: Vamos Terceirizar o Vovô!


Tempos modernos: não temos mais que cortar a lenha para preparar o alimento nem colocar carvão no ferro para passar a roupa, estamos liberados desse trabalho duro. Então, como ganhamos tempo ocioso, ao invés de utilizá-lo para a contemplação, para o descanso, para cantar e tocar ao redor da fogueira, para fazer coisas simples, resolvemos utilizá-lo para tentar controlar ainda mais a vida nos entupindo de compromissos e, assim, não pensarmos sobre o que mais tememos: a morte!

Qualquer distração, das mais desprezíveis às mais nobres, ganhou status digno de ser divulgado aos quatro ventos em um exercício constante de enaltecimento do ego, como se o que eu faço é sempre maravilhoso  e de importância infinita para o Universo! Ouvir o outro é mais interessante para saber o que vou falar de mim mesmo do que simplesmente para acolhê-lo e ajudá-lo a se entender.

Se nossa sociedade conseguir evoluir um dia, posso imaginar como os  seres humanos do futuro vão estudar nossa história, no mínimo dando muita risada de como pensamos e de como sofremos à toa. Ao olhar nossas agendas vão ver que temos muitos compromissos sociais para aumentar nossa network, assim conseguimos um número cada vez maior de "amigos" para usar no momento oportuno. Verão também que temos compromissos profissionais que estendem o nosso horário de trabalho para muito além do saudável, compromissos com a saúde que pode ser controlada cada vez mais por meio de imagens nos dando a ilusão de termos o controle sobre nossa longevidade, compromissos com a manutenção da juventude numa busca incessante da poção mágica que nos mantenha, pela eternidade, sábios e atuantes fisicamente!
Do outro lado dessa vida frenética e em um movimento de certa forma oposto está o idoso.  A morte está mais perto de fato e a energia já não é tanta, o ritmo é outro e muitas vezes conflitante com o ritmo dos mais jovens que o acompanham.

Vejo sua situação contida em três grupos básicos: o do idoso independente até o final da vida, portanto física e psicologicamente bem; o do idoso lúcido, mas dependente físico e o do idoso que perde a lucidez em diferentes graus e que se torna um perigo constante. Este último grupo é muito difícil de ser mantido em família porque ele pode a qualquer momento fugir, ser gravemente agressivo ou causar algum acidente sério. O segundo grupo também é bastante trabalhoso, uma vez que fisicamente precisa de muito suporte, mas se for uma mente em equilíbrio ajuda muito os cuidadores porque aceita o que precisa ser feito, um caso raro.

Dentro desse contexto, aquele que está apenas idoso e não dá quase trabalho está a salvo, será mantido na família até o último dia de sua vida. Porém, o vovô gagá, na maioria das vezes não terá a mesma sorte, vai para o xilindró: a casa de repouso, o asilo, a clínica de idosos... Vovô gagá rico ainda terá privilégios podendo, à escolha da família, permanecer ou não em sua própria casa com cuidadores, enfermeiros... A casa poderá ser adaptada às suas necessidades físicas ou mesmo poderá ser trocada segundo a conveniência: para mais perto dos filhos, para a casa de algum filho ou, ainda, uma casa sem degraus e menor. No caso da escolha de uma clínica, esta tende a ser de boa qualidade, com profissionais preparados, boa alimentação, atividades variadas segundo o estado cognitivo do idoso, bom padrão de higiene. Onde tem riqueza a vida prática é mais fácil, ainda que neuroses não sejam privilégio de nenhuma classe social.

Mas o vovô que não fala coisa com coisa ou é dependente físico e não tem condições financeiras confortáveis tem poucas opções. De um modo geral, ou ficará em casa com alguém da família que pare de viver a sua vida e passe a viver na urgência ou vai para onde for possível, com a qualidade de serviços a família puder prover ou que sua aposentadoria puder bancar, o que nunca será muito! Mais uma vez as situações são inúmeras e a vigilância da família deve ser constante, porque existem casos de maus tratos, falta de higiene, falta de atenção com o idoso que pode cair em uma troca de fralda, ganhar uma fratura e a família ser acionada para levá-lo a um pronto socorro. Ainda ocorrem problemas com dosagem errada de remédios, perda de roupas do idoso, alimentação inadequada ocasionando subnutrição... Essa lista pode ser tão grande quanto a criatividade humana associada à nossa desatenção ou ao nosso descaso permitir.

Fato é que a medicina moderna tem prolongado nossas vidas e não tem garantido a qualidade das mesmas. Em uma sociedade competitiva como a nossa, mal damos conta de nós mesmos, como cuidar de mais outra vida por meses, anos? Egoísmo não querer esse papel ou impossibilidade de absorver ainda mais do que nos está sendo imposto?

Vamos aos trancos e barrancos nos ajeitando a essa meleca humana e, muitas vezes, invejando as aves que podem voar livremente ou os bambus que se curvam ao soprar dos ventos. Quando será que teremos coragem para transformar o monstro que criamos?

Se há alguma possibilidade de iluminação, ela existe exatamente agora, não em alguma época no futuro. A hora é agora. Pema Chödrön

2 comentários:

  1. E vamos nos ajeitando... prefiro acreditar que minha mãe é uma velhinha muito doente, que precisa de cuidados médicos muito intensivos, que não sou capacitada a dar... não facilita muito, mas de certo modo conforta.

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  2. Prezada Sílvia;
    Me identifico com essa massa egocêntrica, mesmo que em menor grau do que a maioria. Por outro lado, a gente vive pra compensar tentando dirigir a vida dos nossos entes queridos mais velhos (pais e avós), certos de que sabemos mais do que eles o que é melhor para eles... Mas ainda acho que nossa presença e companhia são o que de melhor podemos oferecer, na medida que nos for possível. Porque o resto, conforto material e cuidados pessoais podemos terceirizar, com dinheiro ou não, "delegando" os cuidados e lavando assim a nossa consciência.
    Grande abraço,
    Adh

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