domingo, 27 de julho de 2014

O Sonho da Eternidade





Ao vivenciarmos o processo de morte física e psíquica de algum idoso muito próximo, inevitavelmente acontecem momentos de reflexão sobre a nossa própria morte. A partir de um certo momento da vida são comuns nos grupos de adultos frases como: Envelhecer não é fácil. O corpo envelhece, mas nossa cabeça continua jovem. Perde-se a juventude, mas ganha-se a maturidade. Eu não tenho medo de morrer, eu tenho medo da hora da morte. Envelhecer é difícil, mas a outra opção é pior. E assim por diante.

Embora cada um dê o seu toque pessoal revelando o peso que coloca em cada uma dessas afirmações, de alguma maneira todos nos preocupamos com nossa chamada finitude e queremos chegar nela muito bem: longevos, lúcidos, independentes fisicamente, com um desligamento sereno deste mundo. De preferência, alcançar tudo isso sem muito sacrifício e prontos para encontrar do outro lado a eternidade, aquela que nos conservará vivos para sempre, mesmo que a gente não seja lá grande coisa para ser conservada! Muitas vezes tão egocêntricos e vaidosos de nós mesmos, não enxergamos nossa verdadeira essência e quando pensamos na vida eterna, em geral é para não deixar morrer o mais fútil de nós: nosso ego inchado!

Entretanto, como ninguém voltou do Além, pelo menos não de forma consciente a ponto de poder revelar o encontro do horizonte perdido, penso que é melhor encontrar o sentido da eternidade aqui e agora e trazer para o presente o melhor de nós mesmos, fazendo deste momento um epicentro de transformação deste mundo onde já vivemos e onde viverão nossos descendentes, sejam eles descendentes genéticos ou de alma.

Ao ler O Segredo do Pajé*, o sábio indígena pergunta ao jovem índio qual era o maior bem da vida. Diante da resposta de Tibicuera - O maior bem é a coragem! - o velho índio diz que não, que o maior bem é a mocidade e que para vencer o tempo precisamos iludir a morte. Batendo os dedos na testa, mostra que ali está o remédio, considerando a mente a casa do espírito. Um espírito alegre e são vence o tempo, vence a morte. Tibicuera morre? Os filhos de Tibicuera continuam. (...) O filho é a continuação do pai. (...) O corpo pode ser outro, mas o espírito é o mesmo. E eu te digo, rapaz, que isso só será possível se entre pai e filho existir uma amizade, um amor tão grande, tão fundo, tão cheio de compreensão, que no fim Tibicuera não sabe se ele e filho são duas pessoas ou uma só.

Assim, nos eternizamos nos nossos descendentes biológicos e/ou anímicos, porque com o outro nos relacionamos e em cada ação, em cada pedrinha que atiramos no lago da vida, de imediato transformamos as coisas ao nosso redor, que transformam o que está um pouco mais além, que transformam o que está ainda mais longe, que chegam até a Conchinchina, de forma sutil e anônima, mas não menos significativa do que o ato mais imediato. Assim, conscientes ou não, amorosamente ou não, mudamos o mundo o tempo todo e para sempre, nos eternizando nele a partir do agora.

Deve ser esse o grande motivo pelo qual vale a pena ser ético e fazer o que precisa ser feito. Isso explica e justifica porque devemos cuidar da Natureza sem consumi-la irresponsavelmente, porque ser gentil e amoroso com todos apesar de nossas diferenças, porque cuidar de nossas crianças e idosos como seres vulneráveis que são... Isso tudo independentemente do que nos agrada ou não, independentemente do nosso ser preguiçoso, egoísta, vaidoso, orgulhoso, presunçoso...

* Conto de Érico Veríssimo de 1937, no livro “As Aventuras de Tibicuera”.

Se ainda não conhecer, assista ao vídeo a seguir. Escrito e produzido pela British Humanist Association, com narração de Stephen Fry, ele fala dessa eternidade real.












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