domingo, 27 de abril de 2014

Quem Cuida: Eu, Você ou Nós?



Você, é claro! Eu vou continuar levando minha vida sem alterações porque já sou bastante ocupado.

Não vamos falar aqui de idosos abandonados porque esse enfoque merece um capítulo a parte. Vamos falar de idosos que têm família.

Existem múltiplas conformações de famílias: com muitos ou poucos filhos, com filhos únicos, sem filhos, filhos que moram perto e filhos que moram longe, com filhos que são irmãos e filhos que são inimigos, filhos interessados na herança e filhos amorosos... Seja qual for o tipo de família, o cuidado do idoso, na maioria das vezes, será mais da mulher do que do homem, mais do filho que mora perto do que daquele que mora longe, mais de um do que dos demais.

Quando esse filho mais presente entender que ele deverá encabeçar a organização da vida do idoso, tudo fica mais fácil para a família e para o idoso, mas não para ele. Quando percebi que era eu quem sabia quase todas as informações de saúde da minha mãe com segurança, que era comigo que ela se sentia mais a vontade, talvez por uma cumplicidade feminina, que era eu a quem ela desobedecia menos, não tive dúvidas de que, mesmo contra minha vontade, seria eu quem tomaria a frente dos cuidados dela. O que veio primeiro: o ovo ou a galinha? Eu diria que foi a relação amorosa construída ao longo da vida e a compreensão de uma realidade que se configurava.

Ao meu irmão deixei claro que sua presença era bem-vinda e necessária e que ele poderia me ajudar com algumas questões práticas como comprar um colchão novo e pilhas para o telefone, consertar o forno etc. Minha tia ajuda com muitas coisas para quem tem só dois anos menos que a irmã doente: cuida da roupa, da compra dos alimentos e remédios, das necessidades domésticas como a compra do gás, do preparo do café da manhã, do apoio psicológico a uma idosa doente e depressiva. O Pronto Socorro é meu, salvo impedimentos inesperados. As idas aos médicos, o controle diário da saúde, do estoque de remédios e fraldas, a comida, a contratação e administração das cuidadoras, entre outros, são meus. Isso é justo? A vida não é justa. A vida é surpreendente e, gostando ou não, você tem que lidar com as surpresas a partir do seu livre arbítrio! Não gostou? Azar seu, vai sofrer mais.

No começo tentamos resistir ao que percebemos estar chegando para nós. Sentir que nossos pilares estão ruindo e assumir a inversão de papéis dói na alma, mais do que no físico, mas com o tempo doerá também no físico porque o abandono da sua vida pessoal, principalmente da sua contribuição criativa para o mundo, se é que isso já não tenha sido abandonado antes do idoso ficar doente, vai minando sua energia de tal forma, que se o cuidador não tomar providências vai morrer antes do idoso!

Que cuidados o cuidador central deve ter consigo? Além de não abandonar sua saúde física, ser firme em definir espaços só para si, espaços de autopreservação. Assim mesmo as surpresas acontecerão: a torção de um pé, o gesso no braço, uma cirurgia e você vai precisar de ajuda. Em famílias unidas fica menos difícil de superar. Em famílias onde os desentendimentos são frequentes começamos a precisar da ajuda dos vizinhos, dos amigos. Por isso, se você é o tipo de indivíduo que não sabe viver em comunidade, se prepara, porque sozinho é impossível!

Tive a oportunidade de conhecer, na Bahia, uma integrante de uma comunidade chamada Damanhur, que fica na Itália. Se concordo ou não com suas crenças esotéricas é o que menos importa. Fato é que seu fundador era um ser muito especial que construiu uma comunidade que hoje possui mais de 600 membros, em uma organização dinâmica, onde as pessoas escolhem suas famílias por afinidades e projetos de vida e ajudam-se mutuamente. Espéride Ananás foi a pessoa que conheci e que, na ocasião, era membro de uma família de 27 pessoas que viviam em paz, o que não significa viver na ausência de conflitos. Todos da comunidade conhecem a filosofia do local, portanto na hora de ir para o hospital já comunicam médicos que os conhecem para que os procedimentos transcorram de forma a não invadir sua filosofia de vida. Fico imaginando como deve ser mais fácil envelhecer em um lugar assim, onde a sabedoria é trabalhada diariamente, onde o coletivo te abraça, onde você não precisa temer. Que experiência rara, para nós ocidentais, tão prisioneiros do nosso individualismo.

A vida cotidiana é baseada na partilha, no intercâmbio com os outros e no comprometimento de todos para trazer à vida os seus próprios sonhos e os sonhos da comunidade como um todo. Sobre Damanhur em http://www.damanhur.org/about-us/daily-life

Um comentário:

  1. E, ainda vale dizer, que não escolhemos em qual família estaremos. Minha experiência foi e é muito difícil a distância dos meus familiares foi motivo de muita desavença. Mas "a chuva ensina a chorar e o tempo ensina a parar de chover" (Arnaldo Antunes). Bora enfrentar a chuva e aguardar!
    Beijo, Silvia!

    ResponderExcluir